31 de ago. de 2012

Papo de cafeteria #001

Religiosamente os dois sentavam todos os dias no café, a mesma mesa, o mesmo pedido, o mesmo garçom. Só mudava mesmo era a conversa, nunca repetiam uma conversa, nunca deixavam em aberto o assunto do dia, e naquele dia o assunto era: a política das cotas do governo para jóqueis canhotos nas corridas de cavalo. E assim, Melo disparou seu comentário:

- Absurdo esse tipo de coisa, o governo devia investir em outros tipos de cotas.

- Absurdo mesmo será fabricarem as rédeas para esses cotistas. Imagine só quanto o governo vai gastar de verbas públicas com isso?!?! Aposto que tem a mão do nobre deputado metida nisso, ah, se tem!!! Esse café já esfriou!

- Não, não, não acho que isso vá resolver o problema. A coisa é muito mais política do que econômica.

- Nem uma coisa nem outra, isso é falta de respeito com a população e mais uma forma de roubar a gente. E esse café? Não vão mandar um quente??

- Sem sombra de dúvida. Mas você não acha que o Fernando Planct deveria ser o ministro nessa caso?

-  Sem sombra mesmo, café frio eu não aguento! Ora esse Ministro! Esse ai é do mesmo naipe daquele outro da Pesca, que nunca pôs uma minhoca num anzol! Me empresta teu celular, acabou o crédito do meu, vou pedir um café ali na outra cafeteria...

- Hahahahah...tá de brincadeira. E como ficam as medidas provisórias que já estão em vigor?

- Acha que estou de brincadeira? Me dá daqui o celular e você vai ver!!! Como você bem o disse, são provisórias, mas aposto que mundam as regras no meio do jogo, digo, da corrida, e ainda vão botar a culpa no cavalo... Espere um pouco, está chamando. Com ou sem leite?

- Não havia pensado por este ponto de vista. Sem.

- Sim, eu sempre penso no pior. Pobre do cavalo...

- Tá, ok! Vamos dizer que isso seja verdade. E nós dois, então, o que seria de nós se não tivéssemos a nossa cota do governo para apreciadores de café preto, nascidos entre 1963 e 1972?

- Isso não é problema meu, sempre digo isso, afinal nasci em 1961. Vão entregar em quinze minutos... Vai chegar frio!!!

- Definitivamente, acho que você deveria dar a última palavra nisso! Então cancela.

- Tem razão. Me dá o celular, vou cancelar o café!

Levantaram-se, com a certeza de que mais um assunto foi exaustivamente debatido, porque o amanhã chegará com mais um cafezinho e um novo assunto!

Conversa de pseudo-ajuda

Siga por este caminho. Disse o mestre.
- Onde ele vai me levar mestre? Indagou o aprendiz.
- A direção não importa, apenas como você irá construí-lo.
- Mas o caminho já está à minha frente.
- Não, o que existe aqui é uma possibilidade.

Ao cair da noite

Toda transformação o revigorava.Todas as noites de lua cheia ele se transformava.
Ao cair da noite ele deixava de ser ele mesmo, não podia evitar, era uma maldição ou qualquer outra coisa que você queira acreditar. Parava em frente ao espelho e tornava-se outra pessoa, outra personalidade. Na manhã seguinte o esquecimento, nada nem ninguém para contar seu imaculado segredo.
Os dias se passaram e mais uma lua chegou.
Foi para frente do espelho em em minutos não era mais ele.
Agora era Penélope a Drag Queen!

27 de ago. de 2012

microconto #005

"Acordou. Ao seu lado a arma ainda fumegante. Do outro lado, sem dor!"
ALEXANDRE COSTA

23 de ago. de 2012

Pseudo-poema #07

O passado, passado está
e em estando passado, passado é.
Nem é hoje, nem amanhã.
Porém, o hoje e o amanhã, passados serão.
E sendo passado, passado é.
Tudo passa, menos o passado.
O passado fica passando, passando...
ALEXANDRE COSTA

14 de ago. de 2012

microconto #004

"Acordou durante o sonho sem perceber que sonhava acordado!"
ALEXANDRE COSTA

10 de ago. de 2012

Encontro marcado

         Nos conhecemos pela internet, e combinamos de nos encontrar naquele dia. Fiquei imaginando como ela seria: alta, morena, cabelos compridos, olhos azuis, coxas grossas; gostosa pra caralho. Sim, porque não sou de esperar pelo pior.
         Aquela surpresa me excitava e no caminho até sua casa fiquei imaginando muitas coisas. A gente se encontraria no prédio dela, e iríamos andar pela orla da praia, depois um restaurante e no final um motelzinho.
         Cheguei ao prédio e toquei o interfone, já tava excitado. Eu só pensava: tomara que seja linda, solteira, gostosa e more sozinha.
         Do outro lado do interfone ouvi um cachorro latindo desesperadamente e uma criança chorando, e no meio de toda aquela zorra, uma voz rouca gritando mais alto ainda:
- Quem é?
         Fiquei fudido e mudo enquanto ela não parava de repetir.
         - Quem é? Tem alguém aí? Fala logo que eu to ocupada!
O que eu falo agora, caralho...surtei!
         - É o gás. – puta que pariu, não saiu coisa melhor.
         - O gás? Essa hora? – bom, até eu ia desconfiar.
         - É um serviço especial de entrega. – piorou agora, pensei.
         - Mas eu não pedi gás. – e a voz saiu fina e rachada.
         - Ok. É que nós estamos passando para verificar se está tudo bem.
         - Bem? Claro que está. Por que não estaria? Mas que pergunta é essa? Caralho cara, to ocupada, e não quero porra de gás nenhum.
         - Então ta minha senhora, qualquer coisa liga para nossa empresa e a gente entrega a qualquer hora.
         - Eu não preciso de gás, meu prédio tem encanado, afff!.
         Bom! Agora a vaca foi pro brejo mesmo, pensei.
Tentei disfarçar, mas não dava pra disfarçar coisa nenhuma, mesmo assim saiu essa pérola:
         - Mas é gás combustível. – eu virei e ri!
         - Mas eu não tenho carro. Some daqui seu palhaço ou vou chamar a polícia pra te dar uma surra.
         E ouvi, de novo, ela pedir aos berros para a criança e o cachorro se calarem.
         - Então tá minha senhora, acho que foi engano. – eu já tinha desistido mesmo. Foda-se, pensei, vou embora.
         - É. Acho que foi mesmo.
         - Então até logo! – Não me perguntei porque, depois disso tudo, eu ainda me despedi dela.
         - Espere aí. Você entende de encanamento?
         - Não senhora, a empresa apenas entrega gás.
         - Eu tava precisando de um cara aqui pra arrumar a descarga do banheiro.
         Bom, eu já tinha perdido o encontro, então pensei na grana. Por que não? Eu já tinha perdido minha noite mesmo, e eu entendia um pouco de hidráulica. Resolvi subir.
         Quando a porta abriu, vi uma morena escultural, alta, de cabelos compridos, olhos azuis, coxas grossas, e gostosa pra caralho. Só a voz não combinava.
         - Oi – disse, gaguejando e olhando pros peitões dela.
         - Oi. Você pode vir por aqui. – ela virou aquela bunda pra mim e foi indo pra dentro do apartamento.
         Ela me levou até o banheiro para arrumar a hidra. Eu tava com tanto tesão que tive de enfiar a mão no bolso pra disfarçar. Depois de quinze minutos tava cheirando igual urubu morto, ela me olhando com nojo com a criança no colo, e o cachorro cheirando minhas pernas. Me senti o cara mais imbecil do mundo, mas valia pela grana que eu ia cobrar.
         - É sua filha? – perguntei.
         - Não! De jeito nenhum. A porra da minha vizinha saiu à tarde e deixou a filha dela e esse cachorro dos infernos aqui pra eu tomar conta e ainda não voltou, e pra piorar tenho um encontro que eu marquei pela internet com uma cara que ainda não chegou. Ta atrasado o imbecil. Eu detesto esperar e...

Texto adaptado

Veja bem, preste atenção na foto abaixo. Por um instante você olha e não entende, ou não vê um pequeno detalhe que faz toda a diferença. Nada passa despercebido, e o cão segue em frente farejando e latindo feito um "cão?", mas não é um cão.
Onde foram feitas as imagens? O local (segundo um agente federal) é particular e não pode ser mencionado no texto por conta de uma liminar.
Bom, de qualquer forma, fica o registro do ocorrido. Eu mesmo, vi várias vezes e não notei a diferença.
Veja o vídeo e tire suas próprias conclusões.
Vale esclarecer que a temperatura no local chegava perto de 2 graus negativos, e que mesmo assim a estrutura, feita para durar alguns dias, derreteu antes do previsto, deixando o policial, indicado pela seta, em situação perigosa.
A empresa responsável pelo protótipo e as equipes de apoio, também foram afetadas pelo fenômeno raro.
Alguns de seus idealizadores, pediram na internet que as pessoas comentassem sobre o acontecido, por conta de ter provas para provarem sua inocência em caso de uma ação judicial movida por parte das pessoas afetadas pela experiência, mesmo sendo elas voluntárias.

Deixe seu comentário aqui no blog, e se preferir comente também na página oficil do movimento em:

Jung, Platão, o anjo e Eu

No fundo do restaurante de chão velho e judiado por quem ali passa todos os dias, há uma parede azul feita de chapiscos. Em um canto indesejável desse lugar, há uma mesa de madeira com uma toalha xadrez surrada, rasgada e suja de todo tipo de alimento. Uma única cadeira com uma das pernas remendadas, é a opção para sentar-se. Um forte cheiro de fritura sai da cozinha e deixa o ar predominantemente azedo e enjoado.
Para quem olha de fora, entrar ali é um ato de destemida coragem e despreocupação com as coisas materiais da vida. Para os que olham de dentro, nunca podem afirmar se chove ou se o dia está ensolarado. Mas como as coisas acontecem simplesmente por uma causa ou lei natural, que não pode ser modificada, alterada, ou ignorada, nada pode evitar que o destino seguisse seu inexorável caminho determinista e me colocasse na situação em que me encontro agora.
E por um instante - tão curto quanto um piscar de olhos - pensei em Jung, que me ensinou em seus livros sobre a sincronicidade das coisas; pensei em Platão e vi que se enganara em alguns aspectos de sua filosofia idealista, porque existem coisas que só a experiência pode provar a materialidade do mundo real.
E foi então, depois de dissipada a fumaça da fritura, que pude perceber que não estava sozinho naquela mesa.

E ali, naquele canto imundo e desconfortável daquele restaurante, um anjo de asas sujas e tortas, barba por fazer, com um ar de embriagado, sentado a minha frente, tomou da minha mão meu sanduiche de contra-filé e pediu:

                - Me passa o catchup!

O Escrevinhador*

Não era um poema – versos tortos – no sentido técnico da palavra. Também não eram versos – poesia vazia – se um poeta os lê-se. Era sim um lamento – não um lamento de amor – mas quase uma ode à loucura e a dor.
O fato é que as letras estavam lá – não só letras – mas o sentido e o sentimento de cada palavra. Era como um perfume que roubava o ar e asfixiava quem o percebesse.
Ironia, pois sua vida sempre foi um romance no sentido técnico da palavra. E como escritor, era o melhor autor de suas próprias desventuras.

E foi num momento – no intervalo - que tirou a própria vida para vencer o medo da morte.

Não era – nem foi – um herói no sentido mítico da palavra – viveu suas aventuras como um coadjuvante à espera do papel principal. Morreu no final como fazia com seus melhores personagens. Não era um livro – no sentido de obra literária – mas tinha lá suas notas de rodapé, onde explicava que o conteúdo não vale nada sem uma premissa.
Afinal aquelas linhas não falavam de um conto – ou uma crônica diabólica – nem contavam a sua própria história: era apenas quase um poema!


* (ô). [De escrevinhar + - dor.] - S. m. Fam. > Escritor de muito pouco merecimento, ou nenhum; escrevinhadeiro, escrevedor, escriba, rabiscador, borrador. 

Pseudo-Poema #06

Sabendo que tu me facinas
Abraço o pensamento
Que não escapa entre os dedos
Que torna tudo eterno
Que dura enquanto me dedico
A pensar em como fico
Sabendo que tu me facinas

Maria e Beatriz

                Havia naquela noite dentro de mim um desejo de ver Maria e ver Beatriz.
                Desejo que começava no estômago e subia até a garganta, coçava minha língua me obrigando a dizer seus nomes, e até onde eu pude perceber, estava em todo o meu corpo.
                Pensei primeiro em Maria, depois em Beatriz, era uma seqüência lógica, mas que vinha do coração.
                Então fui ver Maria e também vi Beatriz, elas estavam juntas e juntas olharam para mim.
                Elas me contaram que naquela noite, dentro de cada uma, um desejo crescia.
                E foi o sorriso de Maria o primeiro que eu vi, depois veio o beijo de Beatriz e seus dedos entre meus cabelos, e veio o abraço que meu corpo só queria.
                E agora, os desejos somados, eram três desejos mágicos, como se fossem os únicos e os últimos que nos fora concedido.
                Falamos a noite toda de como falar era bom. Havia essa coisa estranha e íntima que nos aproximava tão fortemente.
                Foram risos e gargalhadas, mãos e pele, olhares tímidos, depois ternos, depois tensos, depois tesos.
                Fui eu ou foram elas? Não sei bem ao certo quem disse primeiro, quem primeiro sorriu mais alto, quem primeiro lançou aquele olhar, quem primeiro se entregou.
                Para nós três, havia naquela noite, algo mais que o simples desejo de matar o tempo, queríamos matar a saudade, o desejo, o chamado. E crescia a vontade de se tocar, deixar que as coisas naturalmente fossem acontecendo.
                Maria era linda, e Beatriz tão bela quanto aquela noite.
                E tudo que nenhuma palavra pode dizer, marcou nosso encontro.
                Faz muito tempo, mas já é noite e estou sentindo dentro de mim um desejo...

9 de ago. de 2012

microconto #003

"O homem tava lá, preso nas ferragens e ninguém fez nada, nem uma foto pra lembrança dos que ficaram!"
ALEXANDRE COSTA

microconto #002

"A fumaça confundida do café e do charuto, mesa cheia, bate-papo!"
ALEXANDRE COSTA

microconto #001

"Janela, óculos, lente. Muitos vidros a minha frente!"
ALEXANDRE COSTA

8 de ago. de 2012

O Livro

Quando o escritor abaixou a cabeça para autografar seu livro, não percebeu o olhar fixo e assombrado do menino. Naquelas mãos antigas, a caneta lentamente ia desenhando a dedicatória, enquanto o menino acompanhava com a cabeça. Não imaginava o que significava para ele ter um livro. A edição novinha em folha, ainda quente nas mãos do escritor, agora seria sua. Tremia ao pensar que chegaria em casa com ele, que os garotos do bairro rico saberiam que ele agora tem um livro também.
O escritor levantou a cabeça, olhou fixo o menino e sorriu, não disse nenhuma palavra e entregou o livro em suas mãos. O menino nem queria muito, nem sorriso, nem conversa, só queria mesmo era ver o escritor.
Ouvira falar muito dos escritores pelos meninos do bairro rico. Mas hoje não era conversa, era de verdade, um escritor de carne e osso bem a sua frente, dava até pra sentir o cheiro dele.
Mas o que valia mesmo era que agora ele podia se sentir como se fosse um menino do bairro rico. Toda vez que olhasse o livro na cabeceira da cama, lembraria deles e saberia que era igual, ou quase.
Só faltava mesmo saber ler!

Livros Inventados VII

"Uma vez, antes que o tempo acontecesse"

Autores: Paolo Buscarrote e Jhon Smith
Editora: CasadeLer

O autor faz uma análise profunda e séria sobre o que ele acha ser um assunto primordial para entender como tudo teve início no nosso universo.
Antes do tempo e antes dos acontecimentos.
Como estudar algo que nossa mente não pode conceber?
Leia e saberá!

3 de ago. de 2012

"Sente aqui, vamos conversar"

Autor: Armando Sales Mirall
Editora: CasadeLer

O diálogo pode ser algo interessante, mas não leva a nada: é o que garante o autor.
Não deixe de ler suas idéias sobre o assunto.

2 de ago. de 2012

Um breve relato sobre a situação encontrada pelo delegado Samuel Carneiro a respeito de uma carta de sua amante encontrada pela esposa no bolso de sua calça, ao colocá-la para lavar:

- Fudeu!
"Prazeres reais na internet"

Autor: Ivo Julio
Editora: CasadeLer

Neste livro o autor aborda de forma profunda a relação entre o real e o virtual, concluindo que de fato os papéis estão invertidos.
Cada vez mais as pessoas se expõe e trocam a vida virtual pela real, cada vez mais somos menos físicos e mais pixels.
O plano virtual mudou de lugar, encerra o autor.

Super-heróis

- Ei, moço, aqui é a fila?
- Sim.
- Obrigada!
...
...
...
...
...
...
...
...
...
...
- Oi, eu queria uma inteira pro filme do Batman às vinte horas, dublado.
- Mas essa é a fila do Homem-aranha, legendado, 3D, às dezenove e trinta!
- Porra!
...
...
...
- Vai ou não?
- E qual é a diferença?
- É outro herói.
- Que nada, são todos iguais, tem capa, máscara, luta conra o mal, e ano que vem tem continuação!
- É, você tem razão.
- Me vê esse mesmo. Vale pra qualquer herói né?, aí eu entro no Batman
...
...
- ?
- Vamos!!!
- Ok!
- Brigada.
...
- Próximo!

1 de ago. de 2012

Solidão [ensolarada]

Levo a vida solitária a minha maneira. As pessoas não me perguntam nada, eu não respondo nada. No meu direito de ir e vir, faço sozinho este caminho.Todos nós somos solitários de um jeito ou de outro. Nascemos, vivemos e morremos por nossa conta, levando conosco nossos temores, alegrias, lembranças, e a solidão. Fazemos da solidão um lugar. Abrimos a porta para entrar e guardamos a chave no bolso. Às vezes abrimos as janelas para ver  o mundo lá fora, escodidos atrás da cortina para não sermos vistos, afinal, escolhemos assim. Mas ela não é uma doença, ao contrário, é remédio em muitos casos, um tipo muito comum de autoterapia.
Creio que muita gente faz como eu. Creio que sim, muitos pensam como eu - não todos, apenas muitos alguns que sentem a necessidade de "ouvir o som das estrelas", e depois, voltar ao mundo real.
Mas fora dela - a solidão - participo do mundo, do meu mundo - onde abrigo e recebo aqueles que quero.

Um conto, duas leituras

Ontem, uma segunda-feira chuvosa de outono, dia vinte e dois de maio de mil novecentos e noventa e nove – um dia que ficará para sempre em minha memória, por volta das dezenove horas e trinta e sete minutos, como mostrava o grande relógio estilo gótico tardio instalado na torre norte da principal praça da cidade, inaugurado com pompa e circunstância há mais de quarenta anos pelo antigo e finado – que Deus o tenha com toda sua graça, - prefeito de nossa cidade, restaurado há pouco mais de uma semana pela atual administração, e re-inaugurado pelo atual prefeito, com festa milionária pelo partido que já há algum tempo fazia campanha – das mais caras que já se viu na cidade, posso dizer com certeza - para sua reeleição, e que fica a alguns metros de onde eu estava, um vento lateral – que, aliás, sempre sopra àquela hora da noite - chamou a minha atenção, enquanto uma pequena gota gelada de chuva se precipitou de uma pequena folha agarrada ao tronco de um fícus, localizado na rua das magnólias, na altura do número quarenta e dois, bem de frente a um pequeno portão de ferro, enferrujado pela ação do tempo e pela falta de manutenção, que divisa um magnífico jardim de gérberas de todas as cores, cultivado com esmero e carinho por Dona Faurécia, proprietária quase centenária e excelente doceira que vende deliciosas cocadas de porta em porta pelas ruas do bairro -, atingiu minha nuca, entrando lentamente por dentro do meu agasalho, escorrendo pelas costas e me dando calafrios, quando ela me olhou com olhos de rara preciosidade e sorriso desinteressado, maneou levemente a cabeça como alguém que tenta chamar a atenção para alguma coisa que está acontecendo por cima dos ombros, piscou seus lindos olhos verdes tentando me dizer alguma coisa que naquele momento não pude perceber, pois fiquei paralisado de frio, e me beijou!

Livros Inventados VI

"Os 100 piores contos brasileiros"

Seleção: Jocastro Nietto
Editora: CasadeLer

E por que não? Cansado de ler sempre os mesmos contistas? Quer abrir seus horizontes literários? Às vezes o pior pode ser muito interessante. É o que propõe Jocastro Nietto, 42, jornalista e autor desta coletânea interessante e autêntica.
Gosto não se discute. Leia e depois me diga o que achou desta dica, no mínimo, diferente.

Pseudo-poema V

Vi seus olhos de gaveta
Seu coração de chave
Guardando segredos no fundo da alma.
Mãos de maçaneta
Dentes de trigo
Nuvens nas veias
De um modo quase fora de moda.
No silêncio gritante da manhã
Ouço sua voz do outro lado.
Era só um sussurro lento
Motor pegando no tranco
No começo de um novo dia.
Um frio que já fazia
Eu te beijar.

Pseudo-poema IV

As ardósias florescem ao amanhecer
Araucárias levantam vôo em direção ao pousar da lua
A manhã escure ao brilho das sombras do meio dia.
Tudo parece normal
Diferente mesmo
Só a falta que você me faz!