24 de out. de 2012

PARALELEPÍPEDOS

Thalitas são uvas e vestem roxo, Cristinas são mangas e vestem abóbora. Thalitas são cheias e esperam um amor impossível, Cristinas são rasas e divergem das opiniões alheias. Mas ambas são aurélios ambulantes, em casa, no restaurante. Seus amigos são brigadeiros, alguns de chocolate, outros de leite, não se vestem como as duas, nem são aurélios, mas procuram em suas vidas algo que os una em um ponto não raro, porque todos estão no mesmo barco em direção a algo que diverge e separa formando uma união estável entre todos.
Cristinas são mães, Thalitas são órfãs, se olham e se esperam, e se unem como mãe e filha, e não são mais Thalitas e Cristinas, são Lauras.
Lauras são morangos e são completas, tem amigos e se vestem de azul. O céu as espera um dia, porque todas são filhas de Maria.
Amigos são cajus e se comportam como tal. Aceitam seu destino e só mudam de posição se o sol estiver em suas janelas.
Todos somos laranjas, e esperamos que no varal exista uma roupa que nos sirva, porque o que nos serve nos completa. Andamos a noite sem medo de que o escuro nos mostre o que só existe sem a luz. Laranjas tem sua raridade e se vestem de nuvem, laranjas que caem também alimentam. Laranjas não existem na chuva.
Todos unidos pelo mesmo barro somos marrons e úmidos, brancos e secos, somos vasos e copos, somos pratos e ossos. Somos desentendimento, e sabemos separar aquilo que nos desagrada.
Somos letras e olhos, livros e críticos, somos cestas de frutas maduras que se separam pela cor e pelo gosto, pela casca e pelo sumo. Somos todas as respostas às mesmas perguntas.
Thalitas e Cristinas são diferentes e são iguais quando nossos olhos as encontram, mas hoje não há previsão porque estamos todos juntos à espera do relógio que marcará doze e vinte e nos separará definitivamente. Somos a vagem, somos as mãos que as separam, e de hoje em adiante viveremos por nós mesmos. Não haverá mais guia, apenas a garantia de que não há partida, apenas um adeus tímido e sem segurança.
Thalitas são mudas, Cristinas são falantes, se vestem de despedida quando a hora finda.
Somos paralelepípedos irregulares, o pulso da mão que varre, a onda que bate, somos a erosão que carrega consigo um pouco da terra que acabara de abraçar.
Thalitas e Cristinas, que são Lauras na verdade, é o canto das bocas sem fala, do grito do gesto que anuncia a igualdade da diferença.
Onde estivermos, se estivermos, e estamos, sem nexo e modo, parados diante de nosso espanto, diante do nosso quarto crescente. Somos a infância dos velhos menos sábios que grisalhos.
E temos nuvens que correm nas veias e mancham de azul o céu da boca. E assim esperamos com desespero, compreender o que não compreendemos, o que não tem começo, e o que não tem fim.
Thalitas são casas, Cristinas são ruas que vão se cruzar em praças de Lauras e dar sentido à palavra que espera pela definição de si própria: adeus.
E todos os nomes e todos os sentidos escapam por entre a surdez da mente ordinária: comum.
Os Aurélios voltam na primavera para assistir o começo de tudo, e Cristinas e Thalitas se despedem dos paralelepípedos dissonantes que compõem a nossa estrutura real: a mente.

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