9 de out. de 2012

EMBRIAGUEZ

Ao longe, e ainda que um tanto abafado pelo som do vento que beijava-lhe a face, podia ouvir Alicia cantando. Cantava a mesma canção de quando se conheceram há uma semana, exatamente naquele mesmo lugar porque passava agora, exatamente naquela mesma hora, exatamente com o mesmo sol a brilhar com a mesma intensidade e cor; parecia-lhe que era vítima de um dejavú.
A silhueta da menina que se aproximava ao longe tomava contornos de mulher. Ele apressou o passo, queria estar à sombra da mangueira assim que ela o percebesse.  E assim aconteceu, e porque não poderia ser diferente, não foi!
Seus olhos não se despregavam da imagem de Alicia, e como havia acontecido antes, arrepiaram-se os dois no despreparo de seus corações. A brisa abrandou-se definitivamente à espera do próximo passo que ambos dariam.
Ai, ai, suspirou a menina de pele branca e sardas no rosto. Era ainda nova como um bezerro, mas disfarçava a idade com batom vermelho nos lábios e sombra carregada nos olhos. Só não disfarçava mesmo era a ousadia com que se assanhava quando via Jordão. E sorriu para ele, porque tinha que sorrir, e deitou-se impaciente ao seu redor tirando de dentro do decote do vestido de chita um lenço de renda. E pondo-se de novo a abanar-se, sorriu enxugando o colo dos seios e o rosto.
“Bom dia!”, disse ele puxando a voz do fundo de suas entranhas e disfarçando o que não tinha disfarce. “Tem sombra pra dois?”, perguntou ela, e deitou-se de bruços debaixo da árvore a balançar os pés descalços, a causar-lhe um tremor quase constrangedor, a umedecer-lhe os lábios. Ai, ai, suspirou novamente olhando-o de soslaio, sabia o que queria. Ele?, ele também sabia sem saber. E a brisa pôs-se a assoviar uma canção do vento, fugindo sorrateiramente e abandonando os dois a si mesmos. “Tem sim!”, respondeu, engolindo seco.
Ela então, sentou-se encostando-se no tronco da árvore, espreguiçando-se e esticando os braços e as pernas, mexendo os pequeninos dedos dos pés como que a tocar piano com eles. Ele impacientou-se de tal maneira que não pode evitar comentar sua beleza. Ela surpreendida(?) e lisonjeada, aceitou o galanteio. Ele aguardava o próximo movimento dela de olhos bem abertos, e ela disse-lhe ao pé do ouvido com os olhos bem fechados: “Quem encontrou quem?” Ele não respondeu de imediato, ficara pasmo, de boca aberta a dar motivo para engolir moscas. Seus olhos, presos no decote do vestido de Alicia, que tornou a guardar o lenço entre os seios. “Quem encontrou quem?”, tornou a perguntar. Mas Jordão se perdera em algum momento entre o som de sua voz e a visão daquele corpo quase imaculado. Ela, se quisesse, podia permitir-lhe tudo, ele embriagado, num primeiro instante pedia-lhe sem precisar dizer nos lábios, pois seus olhos a devoravam sem culpa.
“Larga-te aí e te darei toda a sombra que quiseres, toda sombra que mereceres.”
Naturalmente que ela desejasse o que já sabia poder ter, porque não lhe faltavam atributos para consegui-lo, não lhe faltava palavras na boca, e quase sempre um pouco de insensatez nos modos. Jordão em hora perigosa, não criara precaução, nem modos para essas coisas, embora para os dois tudo fosse uma estranha e incontrolável novidade.
Como conjugar o verbo amar sem perceber a diferença do jogo do amor?
O amor é essa embriaguez que lhe toma a direção sorrateiramente, que está onde pode muito bem fazer falta, que tira o sono e engana a fé.
Ali, à sombra da mangueira, os dois se mantinham acordados e tesos, preguiçosos e vastos ao mesmo tempo. Ela lhe prometera meditação, devaneio, equívoco; prometia-lhe apenas perder-se - o que lhe agradava -, porque era homem, porque era um menino. Ela deixou-se deitar em seu peito morno, e quando respirou profundamente ele soube a resposta: “Deus nos encontrou!”
A própria vida os havia encontrado, mais de uma vez. Ela sorriu e desmanchou a ansiosa expectativa criada atirando-se em seus braços. Ele com os lábios secos, procurou sua boca, deixando sua respiração suspensa: entregaram-se com força.
E foi desse modo, de uma rima entre dois corpos, de um encontro marcado pelo destino, que Alicia e Jordão amaram-se de embriagarem-se um do outro, até que aquele dia descansasse dos dois.
Ao longe, como se se ouvisse um murmúrio, a brisa assoviava uma canção balançando as folhas da mangueira e avisando que a hora do jantar se aproximava.
“É quase noite.”, disse Jordão, e levantaram-se apressadamente. Alicia pôs-se a rir e a abanar-se, teve que apoiar-se no tronco da árvore para não cair, ajeitou o vestido de chita, tirou mais uma vez o lenço de dentro do decote.
“Toma, que tu mereces.”, e entregou-o a Jordão.
Ele pareceu se perder no movimento, e declarou: “Te vejo semana que vem!”

Nenhum comentário: