25 de out. de 2012

DO OUTRO LADO

Entre a pupila ligeiramente dilatada e a noção que seu cérebro tinha de que havia luz do lado de fora da janela, existiam infinitas partículas suspensas no ar marcando o caminho para que seu olhar não se perdesse. Só isso, no entanto, não era suficiente para que ele prestasse atenção ao que se desenrolava do outro lado da vida. Com o olhar fixo na luz que incidia sobre seu rosto, uma sombra pouco definida do corpo de Marília se movia em direção contrária ao seu desejo.
Ele queria estar do outro lado. Do lado em que pudesse escolher. Onde Marília pudesse estar. Mas ele não sabia – ou não entendia – ou não podia perceber que não era ele quem criava as regras da sua existência. Era Marília!
Marília era ele do outro lado, e isso ele não podia ver através da pupila ligeiramente dilatada, nem pela noção que seu cérebro fazia de que havia uma outra vida dentro de si.
Seu olhar – não o seu cérebro, mas o seu olhar mesmo, fixava a sombra em sua retina e mesmo quando dormia podia ver Marília. Isso era tudo que ele podia ver, ou podia querer, ou podia ter! Mas ele tinha demais. Porque tinha Marília, porque tinha em sua vontade uma vontade que não era dele e nem era dela também. E o que ele não sabia era que a noção que seu cérebro fazia de uma outra vida não o tiraria dali – não o levaria até Marília.
Porque ele era Marília e ela era ele, ao mesmo tempo em que as partículas suspensas no ar eram o caminho até o outro lado da vida.
O que ele queria – se fosse de sua vontade – era estar lá,do outro lado.
A fina camada de desejos dispersos que compunham a sua vontade e a vontade de Marília não era suficiente para que a luz que havia no ambiente fizesse a ponte entre os dois lados. Ele era desejo. Ela era a vontade-inversa. Ele era o desespero. Ela era a falta-de-escolha. Ele era a luz. Ela era a sombra. Era a sombra em sua retina. Era a sombra do desejo. Ela era na verdade o outro lado. Mas ele também era. Não! ele era os dois lados, as duas vontades e a sombra.

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