22 de out. de 2012

Amanhã...

Sobre a mesa, dentro da caixa de entrada, a carta de demissão e um pensamento recorrente. Ela estava lá há anos, porque ele ainda não estava pronto, e a espera era como se fosse um plano, ou um plano B.
Quando lhe perguntavam quando assinaria a tal carta, ele sempre respondia com um sorriso disfarçado, amanhã. E no ar, ficava a sensação de figura de linguagem, a metáfora preferida por ele.
Não havia data na carta, então, por mais que parecesse óbvio para todos que o dia pudesse não chegar mesmo, só ele, ainda via isso como algo verdadeiramente possível. E a metáfora se tornaria realidade.
Não era aposentadoria, mas sim desistência. E o que faria se desistisse?
E pensava que, se desistir era uma opção, qual era a outra?
Não era mudar de emprego, mas sim trocar aquela vida de trabalho, por uma vida de não-trabalho!
Megulharia nos livros, sua paixão?, construiria um barco e remaria ao encontro de Hemingway?, sentaria na beira da calçada e esperaria que saíssem coelhos das mangas de seu paletó?, esperaria até que a morte viesse buscá-lo e, a exemplo de Borges, o levasse para a grande biblioteca no céu, onde cabem todos os livros do mundo? Era uma ideia tentadora para ele.
E tanto pensou nisso, que tirou a carta de dentro da caixa. E todos olharam para ele sem acreditar que o dia havia chegado. E ele sorriu mais uma vez disfarçadamente. E todos viram quando ele a colocou na caixa de saída. E um grande murmúrio se instalou na sala quando ele virou as costas para todos sem se despedir. O cigarro, ainda aceso sobre a borda da mesa, marcava a madeira - era a sua assinatura!
Pela janela da sala, rostos colados no vidro olhavam a figura de um homem lá embaixo, que olhava de volta gargalhando. Finalmente havia colocado seu plano em prática. Estva livre por dentro e por fora.
E pensou que, se havia mesmo uma outra opção, com certeza não era ficar!
Alguns correram para tomar sua mesa e sentar-se ao lado da janela, outros, ainda perplexos, olhavam o homem se fastando, caminhando em direção ao infinito, passos calmos e firmes.


Um comentário:

VICIADOS EM CAFÉ disse...

Que bela saída, enconrar-se com Hemingway...