As histórias que a gente conta é que conta a história da gente!

Não tenho idéia de onde saiu aquela mulher, e menos ainda sobre o que ela dizia saber de mim. Algo definitivamente espetáculo-espetáculo! Me mostrou a direção e me beijou de língua (suada, áspera, doce). Movia-se entre os adjetivos e substantivos como se dominasse por completo a língua portuguesa. Me ganhou! ... Já era tarde pra desistir, pra perguntar como ela sabia tanto de mim. Deixei meus pensamentos sobre os canais de literatura invadir minha cabeça naquela noite, precisava esquecê-la.

Nela, me fassinava a fluência do dialogo, a coerência da métrica. A "disfagia" me assombrava em cada engolir seco, e ela não parava. Quando usou perfeitamente um artigo indefinido, como um sussurro em meus ouvidos, percebi imediatamente que estava apaixonado. A noite, a chuva na janela não diminuia o calor do lado de fora quando ela chegou com aquela blusa cavadinha e sem sutiã. E sua língua, tocando o céu da boca, parecia mostrar o que ela deixou escapar antes que eu abrisse a porta. Não disse nada, naquele infinito momento, só queria seu beijo, e uma frase bem construída. Na TV, os programas de literatura, um após o outro, nos deixava completamente despertos. Nossos corpos falavam em várias línguas!

Não tenho idéia de onde ela saiu, e não percebi se era loira, morena, negra, baixa ou alta, gorda ou magra. Meus olhos, hipnotizados pelo modo impecável de colocar as palavras em meus ouvidos, só enxergavam boca, língua e dentes.

Mas, de repente, quando a chuva bateu mais forte na janela, o tempo esfriou. Foi culpa do vento gelado que entrou pela fresta da porta e que nos fez levantar do chão e correr para a cama. Caímos um sobre o outro, e percebendo aquele gosto incomum que tínhamos, nos entregamos aos textos de Oscar Wilde até o amanhecer.