2 de out. de 2012

Concerto n.º 5 - uma autobiografia NÃO autorizada

Eu me lembro bem daquele dia. Roberto Prado sentou-se em frente à máquina de escrever, e levantando as mãos como quem se prepara para tocar o "conserto para piano n.º 5", começou a datilografar sua própria biografia NÃO autorizada.
Digitava sem olhar para o teclado. Foi, durante muito tempo, funcionário público, antes de ser escritor famoso e cheio de manias. Uma delas, a de fumar um "Dona Flor double corona", enquanto escrevia suas histórias fantásticas. Digitava, fumava e falava comigo como se suas mãos fossem independentes de seu corpo - trabalhavam freneticamente na máquina, enquanto me contava algumas ideias que pretendia colocar no texto. Eu, a minha maneira, sempre achei que uma biografia NÃO autorizada venderia muito mais do que a oficial, autorizada pelo autor e escrita pelas mãos de um jornalista com boa fama e necessidade de dinheiro.
É claro que ele também sabia disso, e não deixaria essa oportunidade passar. Não que precisasse de fama ou de dinheiro, mas ele precisava escrever. E antes do "Dona Flor" queimar completamente, já havia terminado o capítulo inicial do livro. Perguntei como ele terminaria sua autobiografia NÃO autorizada; no que ele me respondeu, segurando o charuto numa das mãos e arrancando a folha da máquina de escrever com a outra:
- Deixarei inacabada. Nada melhor para os negócios. Deixa um grande suspense no ar, a conta no banco mais gorda, e os fãs mais ansiosos pela continuação. A expectativa é o tempero que adoça a boca e os olhos dos leitores. J. K. Rowling sabia disso, e usou muito bem essa arma. Não é nova, mas sempre funciona.
Colocou as folhas dentro de um envelope e me entregou dizendo:
- Esse não é o caítulo um. Guarde, este é o fim de tudo, e você vai publicá-lo depois de minha morte.
Voltou-se para a máquina, e quando ergueu as mãos, e eu tive certeza de que ele não datilografava, mas tocava o melhor concerto para literatura naquelas teclas.

Um comentário:

ROBERTO PRADO disse...

Hahahahahahahahahahaha, realmente, o fim já está escrito ha muito tempo...