30 de jul. de 2012

Multidão

Ela vinha desenhando a rua debaixo de seus pés, andava só no meio da multidão, como se ela mesma fosse a multidão. Seus olhos fixos, brilhantes, num momento de espanto e novidade. A rua, um desdobramento de sua íntima pressa e medo a tornava um ser solitário. A solidão a acolhia feito uma mãe. A multidão a evitava por puro desconhecimento de sua pessoa no mundo. Porque a multidão em si mesma também é um tipo de solidão.
         Desde sempre fora solitária; e a multidão que ia e vinha de todas as direções, vinha pela rua como se não conhecesse a si mesma.
Seus olhos, fixos nos olhos daquela gente, descobria uma intimidade inviolável e instransponível em cada olhar. Ocupara-se em adivinhá-las e assim amenizar a dor que a solidão lhe causava. Mas ela também tinha segredos que nem ela mesma poderia desvendar. E no meio da rua ela tropeça e sua bolsa cai, e tudo que há em seu interior é revelado, seus mais íntimos segredos são expostos em meio aos sapatos alheios, no cimento duro e cinza, às vistas de cada um daqueles, e que de repente, e por causa de sua vergonha se individualizam.
A multidão não era mais a solidão em que ela se encontrava, se sentiu observada na sua mais íntima verdade, na sua mais suja condição. Fora desvelada e isso a feriu profundamente.
         Em silêncio súbito, parara seu coração para que ninguém a ouvisse. Fora ela ou fora o tempo que parou para observá-la na sua mudez e na sua falta de movimento?
         De repente, sentada, os olhos baixos procuravam no chão o que ainda lhe restava de dignidade.
A multidão experimentou aquela mulher, a multidão parou em espanto e alguém veio em seu socorro, e a multidão que agora não era mais solidão estendeu sua mão maternal. Quanto tempo passara do momento da queda até agora? - ela se perguntava. A ajuda era uma ofensa maior que a própria queda, porque a solidão não presta socorro.
         Levantou-se na sua intimidade agora revelada, fingindo indiferença, mas tinha sido exposta, fora desvelada de sua privacidade guardada em sua bolsa.
Sua intimidade não lhe pertencia, pertencia à multidão. Sentiu-se traída, nua! Tentou levantar-se, mas não conseguiu e, por um momento, sua mão se estendeu pedindo ajuda, por um momento, quis ser devolvida à sua dignidade, mas para onde quer que olhasse só havia multidão, e a multidão em si também é um tipo de solidão.

Um comentário:

VICIADOS EM CAFÉ disse...

Coisa triste, chata e comum nesses dias que correm, só em meio a multidão...
O que prova que quantidade está longe de ser qualidade.
Bem vindo ao desafio de escrever!